O "acidente", por Vasco L.

Porque estou preso é algo que ainda não consegui compreender. Ainda hoje, passadas umas duas semanas da decisão que me ditou “prisão domiciliária”, não consigo, sinceramente, compreender quais os alegados motivos ou fundamentos para tal medida. Ocorre-me apenas um motivo, que é estarmos perante uma nova inquisição ou a levar novamente com o PREC, mas desta vez os “santos padres” e os “novos capitães” não vestem batina ou farda, talvez outra indumentária mais discreta...

Vou tentar explicar o que se passou comigo, sem prejuízo do chamado “segredo de justiça”, que abordarei mais à frente, e talvez assim alguém tenha a bondade de tentar ajudar-me a compreender esta situação, porque volto a dizer para mim continua tudo sem explicação evidente.

No dia 18 de Abril, pelas 7h da manhã, o domicílio da minha namorada, grávida, onde me encontrava, foi visitado por uma brigada de quatro agentes da Polícia Judiciária. Eram portadores de um mandado onde se lia estar a ser acusado de “discriminação racial” e “ofensas à integridade física qualificadas”. Fiquei na mesma, pois sabia não ter agredido ninguém, e portanto tal acusação ser falsa, e apesar de também não ter discriminado alguém sujeitei-me – que remédio - à subjectividade da acusação.

Mas era possível que alguém tivesse entendido alguma das manifestações que ajudei a organizar como “racistas”, como tem feito sucessivamente o Jerónimo de Sousa, tal como fez em Junho de 2005 aquando da manifestação contra a criminalidade no Martin Moniz. É que, a propósito da organização dessa manifestação, uma semana depois do chamado “arrastão”, por causa de uma queixa da FAR (Frente Anti-Racista), uma das organizações ligada ao PCP que têm feito os possíveis e impossíveis por ocultar e desculpar os suspeitos desse crime, também fui obrigado a ir às instalações da Polícia Judiciária para “prestar declarações como arguido, por via de uma queixa de racismo”.

Na altura ainda perguntei se não haveria uma confusão qualquer, porque eu não tinha estado presente no tal “arrastão”, mas soube então que a acusação de “racismo” não estava relacionada com esse acontecimento, relatado como violento, mas sim a manifestação pacífica contra o aumento do crime, presenciada por milhares de pessoas e escoltada por centenas de agentes de polícia.

Mas não. Desta vez as acusações eram outras, mas delas só consegui saber depois de muitas horas sentado numa cadeira nas instalações da Polícia Judiciária, passadas a olhar para a parede onde se podiam ver os mapas da PJ que assinalam os bairros problemáticos dos subúrbios de Lisboa com setas para uma legenda onde se lê “blacks”.

Quando, já depois da meia-noite, a Procuradora do Ministério Público me informou das suspeitas que sobre mim recaem, voltei a ser confrontado com essa suposta “ofensa à integridade física”, que fiz questão de referir novamente ser absolutamente falsa, e expliquei que a situação em questão tinha a ver com uma altercação na via pública, na qual me foi apontada uma pistola à cabeça, não tendo havido qualquer agressão de nenhuma das partes, e que tinha sido presenciada por cerca de 15 testemunhas do agora apresentado como “queixoso”.

Portanto, além de estar a ser completamente ignorado o conceito de “presunção de inocência até prova em contrário”, e dessa situação ter ocorrido em 2005, seria altamente improvável eu ter agredido um homem que além de armado estava acompanhado de outras 15 pessoas suas conhecidas, e expliquei ainda que a PSP tinha tomado conta da ocorrência porque eu próprio tinha ligado para o 112, portanto era no mínimo estranho que, tendo eu agredido alguém - “provocando-lhe escoriações!” como dizia a acusadora - e chamado a PSP, que os agentes que tomaram conta dessa ocorrência, havendo relato de agressões já para não falar na observação de escoriações, não me tenham detido de imediato. Para mais, já tinha recebido o arquivamento dessa queixa há vários meses...

Continuou então, a Procuradora, dizendo que estava a ser acusado também de “discriminação racial ou religiosa”, com base no Artigo 240, e achei estranho porque nunca tendo agredido ninguém, muito menos de raça ou religião diferente, não tendo empresas ou cargos que me permitissem “discriminar” efectivamente alguém – como acontece, por exemplo, nas multinacionais a propósito das mulheres grávidas ou de pessoas obesas – tal acusação soava a “delito de opinião”, talvez por causa de uma das tais manifestações ou de um qualquer texto do PNR, mas não.

A “discriminação racial” prendia-se com meia-dúzia de pequenas frases – frases, soltas e descontextualizadas, não textos ou panfletos – retiradas de “um fórum da internet”, e que alegadamente eu teria proferido no meio de outras cinco mil mensagens, essas sim textos ou opiniões, que sendo assim também serão da minha autoria. Nem sequer me foi explicado em que contexto o teria escrito, em que dia o teria feito, ou sobre que assunto teria comentado. Eram meia-dúzia de pequenos excertos de frases que, segundo o entendimento da Procuradora, me obrigavam a ser presente, no dia seguinte, no Tribunal de Instrução Criminal.

Nem sequer serviu lembrar que vivemos num país onde a Constituição diz que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento”, que tal direito pode ser exercido “através da imagem, palavra, ou qualquer outro meio”, e que “o exercício deste direito não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”. Nem sequer serviu dizer que, as tais frases, completamente descontextualizadas e assim apresentadas, poderiam até ser uma citação do que escreveu Pacheco Pereira na Revista Sábado, quando a propósito do chamado arrastão disse que “o contra-arrastão é a negação politicamente correcta de que haja problemas de criminalidade violenta e endémica nas grandes concentrações urbanas que têm como actores jovens negros da segunda geração”.

E, curiosamente, previu o professor que “dizer isto parece logo racismo, deve motivar o nosso comissário para as minorias étnicas a pedir mais desculpas públicas por se ter nomeado cor ou raça ou condição imigrante”. Mas enganou-se num “pormenor”, porque tais frases não motivam apenas os ditos “comissários das minorias”, que têm sido tudo menos santos nas acusações públicas proferidas contra o PNR, mas também os tais “inquisidores do politicamente correcto” que, só por acaso, têm o poder de decidir quem fica ou não fica preso em Portugal.

Entretanto, voltando ao ponto da situação, depois de saber que teria de ser presente a um Juiz é-me dito que ficaria detido e passaria a noite na prisão, fechado numa cela nas instalações da PJ, não fosse passar-me pela cabeça fugir de Portugal. Lembrei-me não poucas vezes daquilo que disse Adelino Caldeira a propósito do 25 de Abril: “disseram-me que estavam a fazer aquilo para que nunca mais alguém tivesse de sair de Portugal por causa daquilo que diz, escreve, ou pensa”. Nunca esta frase esteve tão presente na minha cabeça como durante aquela noite, passada no meio de muitas dezenas de selvagens que, durante a noite e manhã, iam anunciando a sentença dos nacionalistas encarcerados nas masmorras do regime: “vamos matar; vocês vão morrer!”

No dia seguinte, depois de almoço, somos levados para o TIC. Apesar das explicações que dei no dia anterior as acusações continuavam as mesmas; "ofensas corporais", por via da tal falsa acusação com o propósito de adornar o dossier, e "discriminação racial", por via de meia-dúzia de frases publicadas na internet e que pelos vistos não agradaram a alguém.

Enquanto esperávamos ser ouvidos, desta vez nas celas daquele Tribunal, somos informados que “a Maria José Morgado passou por cá para dar um beijinho ao seu pessoal”. Novamente o PREC me veio à cabeça, quando maoístas gritavam “morte a isto” e “morte àquilo”, conturbados momentos que em que a mega-procuradora que tinha aparecido para dar um beijinho era protagonista.

Além do PREC e de Arnaldo Matos, lembrei-me da Albânia, de Guantanamo, e da União Soviética, e só me lembrei do Estado Novo já depois de ter chegado a casa, quando numa entrevista de Mário Crespo, Saldanha Sanches – muito a propósito... - dizia qualquer coisa como “passados mais de 30 anos é altura de se parar com os exageros sobre o periodo anterior ao 25 de Abril”. Dizia ainda que “naquela altura prendiam-se pessoas apenas por estarem contra o regime” e interroguei-me do porquê de ter referido “naquela altura”, quando hoje se passa precisamente o mesmo, ou pior, se à perseguição política juntarmos o cinismo e silêncio dos auto-denominados “defensores da liberdade de expressão”.

Voltando ao TIC, e depois de ter explicado novamente o tal episódio, foi-me informado que ficaria... em prisão domiciliária! Aparentemente tal seria "bom para ti", visto que "não ficas preso, vais para casa", mas que diabo!!! Então por alma de quem é que uma pessoa que não comete qualquer crime terá de ficar contente por ficar preso em casa?!

Os motivos talvez Deus saiba, porque nem sequer um papel a informar-me da decisão me foi entregue, quanto mais dos seus motivos. Pensa o advogado de defesa que tem a ver com a moldura penal do tal Artigo 240 - que prevê pena de 1 a 8 anos – e que, por isso, o alegado crime onde me enquadro, por alegadamente ter escrito meia-dúzia de mensagens é considerado “grave”.

Pelos vistos mais grave que assassinar uma mulher grávida, alcoolizado, e fugir, pois neste caso o suspeito foi mandado para casa nem com apresentações. E mais grave do que agredir polícias, destruir lojas, e andar na rua com “cocktails molotov” e “very-lights”, porque também esses foram mandados para casa com Termo de Identidade e Residência. Extrema-esquerda, pois claro.

E quanto ao centro, os suspeitos da Casa Pia, e às acusações de violações de menores, então nem se fala, porque isso é terramoto que já deu o que tinha a dar e os suspeitos além de soltos já começam a aparecer de novo nos eventos do social, sorridentes e como se nada fosse...

“Agora vá para casa que depois vão lá meter-lhe uma pulseira, talvez durante a próxima semana, e entretanto não pode falar com ninguém ligado ao processo”, disse-me a funcionária do Tribunal. “Mas eu nem sequer sei quem são os arguidos, já que desde ontem que estou fechado ora em gabinetes ora em prisões e, segundo me disseram os guardas, são mais de cinquenta as pessoas envolvidas”, expliquei, pedindo de seguida “pelo menos uma lista dos arguidos, para saber com quem posso ou não falar”, ao que a funcionária respondeu “olhe, não fale com ninguém ligado a estas coisas”. A minha dúvida, além do que seria “estas coisas”, é se poderia falar com os representantes dos grandes portugueses, já que estes também estavam de alguma forma ligados “a estas coisas”, mas calculo que a Odete Santos não esteja incluída “nestas coisas” senão pela ligação ideológica às acusações.

Entretanto lá fui para casa, pelo meu próprio pé, o que é um bocado estranho para quem aguarda que lhe seja colocada uma pulseira electrónica, já que o perigo de fuga que esse aparelho - imaginado talvez por Orwell - aparentemente visa prevenir deixava assim de fazer qualquer sentido. Saíndo do Tribunal pelo próprio pé, e tendo a dita prometida para daí “a uma semana”, teria tempo suficiente para comprar um bilhete idêntico ao de Fátima Felgueiras ou do Padre Frederico, mas não, vim para casa assistir aos programas que, recorrentemente e nesta altura do ano, lembram o 25 de Abril; liberdade, liberdade, liberdade, muita liberdade, e a tal frase de Adelino Caldeira a passar repetidamente no Canal História.

Há coisas do Diabo, ocorreu-me pensar - mas não pensei, não fosse estar a cometer outro crime de discriminação, desta vez religioso...

Entretanto meto-me a ler os livros que a PJ não apreendeu, já que do meu “Triunfo dos Porcos” só lhe posso ver a capa nas imagens que acompanham as notícias que relatam o material apreendido na tal mega-operação, dos quais pelo menos sobrou um sobre a morte de Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, esse tal “acidente” nunca desvendado desde Dezembro de 1980.

Durante o silêncio a que fui restringido, porque supostamente há cinquenta pessoas de que sou camarada e amigo mas com os quais não posso comunicar, dou uma espreitadela nas “notícias” que fizeram manchete naqueles dois dias passados na prisão.

Não consigo deixar de pensar no chamado “segredo de justiça” - que me impede(?) por exemplo de consultar o processo de acusação de que estou a ser alvo - e de me lembrar da exposição pública de fotografias e pormenores do processo a que nem eu nem os advogados de defesa tiveram acesso. Nem nas sensacionalistas reportagens algum jornalista teve o cuidado de referir, por exemplo, que uma das pessoas que foram detidas faz tiro desportivo há dezenas de anos, e que as armas apresentadas como “apreensões” estão devidamente registadas e, portanto, serão muito provavelmente devolvidas ao seu proprietário.

Nem sequer interessa o facto de ser perfeitamente natural que, num universo de 50 nacionalistas, haja alguns deles que tenham em casa as bandeiras que bem entendem e que tal não pode, ou não devia, servir para “condenar ideologicamente” seja quem for.

O que interessa é apresentar tudo como “espólio” de uma provável organização terrorista desmantelada a tempo pela louvável Procuradoria e que “não matou ninguém mas podia ter morto, queria matar, e ia matar de certeza”.

Até a busca à sede do PNR, à procura de “armas ou droga”, como foi aludido por diversos jornais, tresanda a perseguição política e pré-condenação, ideológica. Alguém se lembra de procedimento semelhante com qualquer outro partido?

Ou alguém reparou nas medidas de coacção impostas aos elementos de extrema-esquerda que destruíram lojas, agrediram polícias, e que se preparavam para atacar a sede do PNR, conforme a própria polícia referiu ter conhecimento, com “cocktails molotof” e “very-lights”? Saíram todos com Termo de Identidade e Residência, ou seja nem sequer terão de se apresentar periodicamente, tal como todos os nacionalistas que tiveram a sorte de não ficar em prisão preventiva ou domiciliária.

“Heróis” de extrema-esquerda que foram recebidos efusivamente à saída do Tribunal por um bando de escumalha encapuçada que nos últimos anos se entretem a fazer ameaças de morte aos militantes e dirigentes do PNR. Ver aquelas imagens lembrou-me a Procuradora, dentro do TIC, aos berros com os guardas da PSP daquele Tribunal exigindo que “os nacionalistas presentes na rua fossem imediatamente tirados dali, senão tenho de chamar o Corpo de Intervenção”. Nenhum deles tinha passa-montanhas, ou símbolos anarquistas, devia ser esse “o problema”...

Termo de Identidade e Residência esse que, dias antes da “mega-operação”, foi aplicado ao imigrante do Bangladesh – e aqui, ao referir “imigrante”, sei que aos olhos dos “tolerantes democratas da liberdade de expressão” estou a cometer um crime hediondo e bem mais grave que a própria situação em si! – que circulava embriagado, atropelou uma mulher grávida, matou-a, e fugiu! Crime grave? Não, mero “acidente”, coitado.

Nem interessa que não haja verdadeiras vítimas neste mega-processo, que não os próprios suspeitos, como por exemplo o bebé de 3 meses que morreu às mãos das amnistiadas FP-25, o que interessa é fazer a condenação prévia na opinião pública que justifique uma efectiva perseguição política aos nacionalistas.

Depois, mesmo que se fale em “atentado”, a maioria há-de olhar para o lado, ignorando propositadamente este verdadeiro ataque à liberdade de expressão e opinião, e há os que se encarregarão de insistir na versão “do acidente”, tal como os tiros na nuca das FP25 ou o caso Camarate, tudo acidentes está claro...

1 comentário:

Anónimo disse...

Apesar de eu abominar os ideais que (penso eu...) perfilha, tem toda a razão naquilo que escreve. Estamos num ponto sem retorno.