A negação da justiça no nosso sistema judicial

Sou um dos arguidos do processo contra os nacionalistas a ser julgado em Monsanto. Antes de mais quero dizer que não sou skin, nem nunca fui, e apesar de tal não ser crime deixo esse esclarecimento. Não sei qual o objectivo, sobretudo da imprensa, em catalogar este processo como "dos skins" já que a maioria dos arguidos, que confesso nem conheço, julgo também não o serem.

Sei que essa designação carrega consigo uma carga negativa, que não corresponde à realidade, e que por isso se trata de mais uma forma de discriminação: cataloga-se todos como skins, ou seja "elementos associados a distúrbios", e portanto à partida condenados nem que seja na opinião pública. Dessa forma essa mesma opinião pública, diferente da opinião publicada, aceitará melhor as possíveis condenações.

Mas não é verdade que o que esteja a ser julgado em monsanto sejam apenas actos violêntos ou, como disse um inspector da judiciária, algo relacionado com "terrorismo ideológicamente motivado".

Os factos que esses inspectores trouxeram ao julgamento relacionavam-se, quase todos, com encontros e manifestações, relações de amizade ou escritos na internet. Classificar isto como "terrorismo" só pode ser escola do Rui Pereira, que também o fez em relação ao caso do milho transgénico, o que é obviamente um disparate. Se o fizesse em relação à tentativa de ataque à sede do PNR, por encapuçados munidos de cocktails molotof, teria tendência a estar de acordo.

Em relação à actividade pública e política dos nacionalistas não. Falar de "terrorismo", com aquela leviendade, quando não ha assassinatos selectivos de políticos ou bombas a rebentar em Portugal, é no mínimo caricato. Ainda que, pelo andar da carruagem e da maneira como se abriu as portas do país a todo o tipo de gente, é provável que isso seja apenas uma questão de tempo. Depois não venham dizer que "bem avisaram", chamando "nacionalistas" à ETA, porque esses é que são terroristas, não activistas políticos.

Mas a negação da justiça a que me quero referir não tem a ver com isso, apesar de ser óbvia a perseguição política e manipulação judicial do processo desde o seu primeiro minuto. Refiro-me ao facto como decorrem - todos - os julgamentos em Portugal. Um juiz, ou grupo de juízes, sentado na mesma mesa do representante do Ministério Público, que pelos vistos anda sempre junto com aqueles, não me parece correcto. Mas não é essa a questão, aliás bastante discutida penso eu, que julgo ser motivo de não se conseguir justiça em tribunal.

Como é que é possível que as testemunhas de acusação, sobretudo os técnicos da Polícia Judiciária, sejam confrontados directamente apenas pelos advogados? Porque é que os próprios arguidos, os melhores conhecedores dos factos de que são acusados, não podem interrogar directamente as testemunhas?

Imagine-se um julgamento de um cientista que durante 10 anos se dedicou a estudar determinado fenómeno. Chega-se a tribunal e quem pode interrogar alguém que o acuse de alguma coisa relacionada com a sua área? Um advogado que nunca entrou sequer no planetário. Imagine-se o tipo de perguntas ou a forma como facilmente um procurador ou inspector da judiciária manipula, ou mente, a seu bel prazer. Ao cientista resta-lhe, depois, fazer as suas alegações finais, no entanto sem que estas contem para a produção de prova.

Eu assisti a episódios no mínimo caricatos: supostos técnicos informáticos da PJ a afirmarem - sob juramento! - que chegaram à identificação de determinado indivíduo através do IP do computador apreendido. Ora, antes de mais, com uma busca a um disco rigído (que foi o que foi feito, nem sequer uma peritagem) não é possível saber o IP de determinado site, blog ou mensagem. Além disso, qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de informática sabe que um IP não determina, ou prova, quem é o seu utilizador. Acresce que em Portugal a quase totalidade dos IP são dinâmicos - ao contrário do que afirmou o referido "técnico" da PJ - , pois um IP (e até um computador) pode ser usado por várias pessoas diferentes. Já nem vou entrar no campo do "wireless" ou das "networks" porque não vale a pena.

Mas, por exemplo, imagine-se um caso em que esteja a ser julgada uma ameaça feita por SMS de telemóvel. Determinada pessoa recebe uma mensagem de um número, apresenta queixa, e a polícia descobre de quem é o número que enviou a mensagem. Faço a resslva que não foi isso que se passou no nosso processo, porque nem sequer se chegou ao "número emissor". Mas a pergunta é, descobrindo o dono do telemóvel emissor é certo que isso o torna suspeito, mas será que prova - e a questão é provar e não suspeitar - que tenha sido o proprietário a fazer a ameaça? Então e se a companheira, ou um colega ou amigo, pegou no telemóvel e enviou a SMS? Condena-se o inocente porque os técnicos da PJ "tinham a certeza absoluta, segundo a sua convicção e anos de experiência", e porque é necessário um culpado à força?

No Tribunal de Monsanto assistiu-se a algo parecido, mas de uma forma muito mais susceptível de manipulação, vista a postura dos referidos inspectores: era necessário acusar, justificar uma acusação ignóbil, e portanto qualquer coisa servia para justificar a incrível perseguição política que foi movida contra os arguidos. Mesmo dizer que "pela minha vasta experiência técnica concluí que o IP indicado pertencia a determinado arguido". Uma mentira descarada, e facilmente desmontável, caso fossem os próprios arguidos a contra-interrogar, no momento, e não advogados (e já agora procuradores e juízes) que pouco se sentem à vontade no complexo mundo da internet.

E também por aqui, nestes meandros, se assistiu a uma forma de injustiça e não à completa descoberta da verdade. Tudo ficou muito no ar, deixado para a interpretação própria do colectivo (imagine-se que dois dos juízes são intolerantes comunistas?), baseado em opiniões de pseudo-peritos da judiciária que mais não vieram que fazer o frete ao Ministério Público, e assim se acrescentou mais uma "discriminação" num processo que é política até ao tutano.

Claro que essa vertente política de um processo estúpido e mafioso está camuflada pelos tais "crimes conexos", que também os há, e que a serem provados devem ser condenados. Mas coisa muito diferente foi a forma como o inquérito foi feito, como a acusação está construída, e sobretudo a forma como se tratou os arguidos no Tribunal de Instrução Criminal: mal foram ouvidos, com acusações falsas e levianas, e logo se os meteu na cadeia (preventivamente, claro).

Mais tarde, todas essas falsas acusações, levantadas no TIC, simplesmente desapareceram da acusação ou vieram a revelar-se uma absoluta nulidade durante o julgamento. Mas a injustiça estava feita e já tinha passado mais de um ano, com os arguidos em prisão preventiva ou domiciliária, e foi também por isso que o juiz João Felgar resolveu terminar com essas medidas pouco tempo depois do julgamento iniciar.

Veremos no final se serão reparados alguns dos erros - porque outros são tão profundos e estimgatizantes que já não é possível - e se alguns nacionalistas vão ser alvo de compensações como têm sido algumas figuras da sociedade portuguesa, nomeadamente ligadas ao Partido Socialista.

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